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quarta-feira, 4 de julho de 2012

Todo o Mundo e Ninguém

O texto abaixo pertence a peça Auto da Lusitânia, escrita pelo grande mestre humanista, Gil Vicente, em 1531 e representada pela primeira vez em 1532, perante a corte de D. João III quando nasceu seu filho, D. Manuel. O auto atesta a genialidade deste dramaturgo português, pois apesar de ter sido escrito há quase 500 anos, mantém-se extremamente atual.

Neste auto, assiste-se ao casamento de Portugal, cavaleiro grego, com a princesa Lusitânia. Dois demônios, Berzebu e Dinato, que aparecem no texto vêm presenciar o casamento e escutam o diálogo entre Todo o Mundo e Ninguém.

O autor deu o nome de Todo o Mundo e Ninguém às suas personagens principais desta cena. Pretendeu com isso fazer humor, caracterizando o rico mercador, cheio de ganância, vaidade, petulância, como se ele representasse a maioria das pessoas na terra (todo o mundo). E atribuindo ao pobre, virtuoso, modesto, o nome de Ninguém, para demonstrar que praticamente ninguém é assim no mundo.

Fiz algumas atualizações vocabulares para tornar mais fácil a leitura e o entendimento do trecho.

Leiam e comprovem a atualidade e a genialidade deste auto!

Todo o Mundo e Ninguém


            Entra Todo o Mundo, homem como rico mercador, e faz que anda buscando alguma coisa que perdeu; e, logo após ele, um homem, vestido como pobre. Este se chama Ninguém, e diz:


Ninguém: Que andas tu aí buscando?  

Todo o Mundo: Mil coisas ando a buscar: 
                              delas não posso achar, 
                              porém ando teimando, 
                              por quão bom é teimar. 
                                                                          

Ninguém: Qual é seu nome, cavaleiro?                                



Todo o Mundo: Meu nome é Todo o Mundo, 
                              e meu tempo todo inteiro 
                              sempre é buscar dinheiro, 
                              e sempre nisto me fundo.                             



Ninguém: E eu tenho por nome Ninguém,
                   e busco a consciência.                                             

                                                                                         


Berzebu para Dinato: Esta é boa experiência!

                                          Dinato, escreve isto bem.

Dinato: Que escreverei, companheiro?

Berzebu: Que Ninguém busca consciência.                     
                   E Todo o Mundo dinheiro.                                       

Ninguém para Todo o Mundo: E agora que buscas lá?                               

Todo o Mundo: Busco respeito social muito grande.

Ninguém: E eu virtude, que Deus mande.                          
                   Que tope com ela já.    
                                                
Berzebu para Dinato: Outra adição nos acude:
                                          escreve aí, a fundo,
                                          que busca respeito social Todo o Mundo,
                                          e Ninguém busca virtude.

Ninguém para Todo o Mundo: Buscas outro maior bem que esse?

Todo o Mundo: Busco mais quem me louvasse
                              tudo quanto eu fizesse.
 

Ninguém: E eu quem me repreendesse
                   em cada coisa que errasse.



Berzebu para Dinato: Escreve mais.



Dinato: Que tens sabido?



Berzebu: Que quer em extremo grado 
                   Todo o Mundo ser louvado,
                   e Ninguém ser repreendido.



Ninguém para Todo o Mundo: Buscas mais, amigo meu?




Todo o Mundo: Busco a vida e quem me a dê.




Ninguém: A vida não sei que é,
                    a morte conheço eu.

Berzebu para Dinato: Escreve lá outra sorte.

Dinato: Que sorte?

Berzebu: Muito garrida:
                   Todo o Mundo busca a vida,
                   e Ninguém conhece a morte. 

Todo o Mundo para Ninguém: E mais queria o paraíso,
                                                          sem ninguém para me estorvar.

Ninguém: E eu ponho-me a pagar
                    quanto devo por isso.

Berzebu para Dinato: Escreve com muito cuidado.

Dinato: Que escreverei?

Berzebu: Escreve que Todo o Mundo quer paraíso,
                   e Ninguém paga o que deve.

Todo o Mundo para Ninguém: Gosto muito de enganar,
                                                          e mentir nasceu comigo.

Ninguém: Eu sempre verdade digo,
                    sem nunca me desviar.

Berzebu para Dinato: Ora escreve lá, compadre,
                                          não sejas tu preguiçoso!

Dinato: Quê?


Berzebu: Que Todo o Mundo é mentiroso
                   e Ninguém diz a verdade.

Ninguém para Todo o Mundo: Que mais buscas?

Todo o Mundo: Lisonjear.

Ninguém: Eu sou todo desengano.

Berzebu para Dinato: Escreve, mãos a obra!

Dinato: Que me mandas escrever?

Berzebu: Põe aí muito declarado,
                   não te fique no tinteiro:
                   Todo o Mundo é lisonjeiro,
                   e Ninguém desenganado.             




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